segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Madeira

Mas a ilha já bem pouco me importa!
(...)
A lembrança de uma pequena ilha morre depressa na memória; fica-nos dela uma vaga imagem, fingida, a boiar à tona de um mar distante, é um navio desmantelado que já não levanta ferro, inválido,incapaz de seguir viagem...


M. Teixeira-Gomes, Cartas sem Moral Nenhuma

O semeador



semeou a terra, colheu a recompensa
para se alimentar e alimentar
a mulher
os filhos
muitos
quase os dedos
das duas mãos


Salazar não te deu instrução?
não
Viva Salazar!
Tiveste estradas, transporte, luz e água?
não
Viva Salazar!
O 25 de abril trouxe-te uma casa para abrigares os teus filhos e a tua mulher?
não
Viva o 25 de abril!

Em 2007, semeador, és pai das plantas que ajudaste a crescer. Quem te ajudou?
Salazar não foi e o(s) outro(s) também não. Bem pelo contrário, agora todos são clean,

sem raízes

QUE ESTÃO SEMPRE SUJAS PORQUE CRESCEM PRECISAMENTE NO MESMO SÍTIO EM QUE A SEMENTE GERMINA






Estradas



Não era noite nem dia.
Eram campos campos campos
abertos num sonho quieto.
Eram cabeços redondos
de estevas adormecidas.
E barrancos entre encostas
cheias de azul e silêncio.
Silêncio que se derrama
pela terra escalavrada
e chega no horizonte
suando nuvens de sangue.
Era hora do poente.
Quase noite e quase dia.

E nos campos campos campos
abertos num sonho quieto
sequer os passos de Nena
na branca estrada se ouviam.
Passavam árvores serenas,
nem as ramagens mexiam,
e Nena, pra lá do morro,
na curva desaparecia.

Já de noite que avançava
os longes escureciam.
Já estranhos rumores de folhas
entre as esteveiras andavam,
quando, saindo um atalho,
veio à estrada um vulto esguio.
Tremeram os seios de Nena
sob o corpete justinho.
E uma oliveira amarela
debruçou-se da encosta
com os cabelos caídos!
Não era ladrão de estradas,
nem caminheiro pedinte,
nem nenhum maltês errante.
Era António Valmorim
que estava na sua frente.

— Ó nena de Montes Velhos,
se te quisessem matar
quem te haverá de acudir?

Sob este corpete justinho
uniram-se os seios de Nena.

— Vai te António Valmorim.
Não tenho medo da morte,
só tenho medo de ti.

Mas já noite fechava
a saída dos caminhos.
Já do corpete bordado
os seios de Nena saíam
— como duas flores abertas
por escuras mãos amparadas!
Aí que perfume se eleva
do campo de rosmaninho!
Aí como a boca de Nena
se entreabre fria fria!
Caiu-lhe da mão o saco
junto ao atalho das silvas
e sobre a sua cabeça
o céu de estrelas se abriu!

Ao longe subiu a lua
como um sol inda menino
passeando na charneca…
Caminhos iluminados
eram fios correndo cerros.
Era um grito agudo e alto
que uma estrela cintilou.
Eram cabeços redondos
de estevas surpreendidas.
Eram campos campos campos
abertos de espanto e sonho…

(Manuel da Fonseca)

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Figueira



Do lado de terra, pouco a pouco, as serras altas foram-se coando pelo azul do céu; as colinas nivelaram-se; por fim as árvores faltaram: a estrada rastejou, em lanços monótonos, na campina lavrada, como um risco de giz na ardósia limpa. Alargou-se o terreno em planície arenosa, malhada com o azebre dos hortejos definhados, onde o hálito do mar se sentia arrefecer, e à vista de Ayamonte um leve aperto do coração dizia-me já que a saudade da paisagem familiar e amada começava ali...

Manuel Teixeira Gomes, Cartas sem Moral Nenhuma

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Efeméride

Efeméride do SG Ventil

Foi há 15 anos, em Vila Real de Santo António, numa esplanada da Praça Marquês de Pombal que, nesse 21 de Agosto de 1992, o autor destas linhas queimou o último cigarro.


segunda-feira, 20 de agosto de 2007

1º pessoa do plural



As Sexas estão a conjugar o verbo dormir a sesta no presente do indicativo à sombra da bananeira, digo, da palmeira.

Meu coração é um pórtico partido



Meu coração é um pórtico partido
Dando excessivamente sobre o mar.
Vejo em minha alma as velas vãs passar
E cada vela passa num sentido.
(...)
Fernando Pessoa

domingo, 19 de agosto de 2007

As minhas rosas

Poço e cantarinha

Poça da Saúde

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Moinhos da Rocha




fotografia

sábado, 11 de agosto de 2007

Bom dia

Ainda há pouco tropecei no imprevisto do dia, quando, na primeira caminhada, em plena rua, uma velhinha, de negro vestida, ao cruzar-se comigo, me saudou com um sonoro e feliz "bom dia". E lá recordei esse resto de civilização que o mundo não urbano ainda conserva e que ostensivamente me envergonhou, eu, capitaleiro, de rurícolas origens, que já nem sequer é capaz de praticar as regras da boa educação que aprendeu de seus avoengos. Respondi-lhe evidentemente: "bom dia, minha senhora".

sobre o tempo que passa

Águas atlânticas

Destas águas atlânticas voltadas para África, deste novo Mediterrâneo da história, deste mar cuja linha de horizonte vai de Leste para Oeste


Há uma semana que estou nesta imaginada casa branca de telha portuguesa, neste sítio onde há pedaços de sombra, num pátio interior, bem algarvio, ousando esquecer estes restos de quem sou. Aqui, neste lugar de calma, há um largo da praça, um azul solar, um devagar, e sempre uma folha branca por onde peregrinar, especialmente quando a manhã vai nascendo e apetece o aconchego de uma árvore ainda verde, em pleno Agosto, para mais um dia de pedra calcinada.

sobre o tempo que passa .