domingo, 18 de fevereiro de 2007

O Ter e o Ser (II)


Trabalhamos geralmente para ter; para ter mais dinheiro, para ter mais conforto, para ter mais importância social... Porém, de acordo com o ponto de vista de Agostinho da Silva, é fundamental inverter esse sentido da vida e trabalhar, sobretudo, para Ser, para ser mais apto, para ser mais consciente, para ser melhor. De acordo com este ponto de vista, até as tarefas mais monótonas e fastidiosas se podem expressar de forma criativa:

«Conta-se que um viajante se aproximou de um grupo de canteiros, integrados na construção de uma catedral. Então perguntou ao primeiro:
- Que estás a fazer?
- Como vês - respondeu - estou aqui a suar, trabalhando como um idiota, à espera que chegue a hora de ir para casa.
- E tu, que fazes? - perguntou ao segundo canteiro.
- Eu estou a ganhar o meu pão e o dos meus filhos.
- E tu, que estás a fazer? - perguntou ao terceiro.
- Eu estou a construir uma catedral.»

*
Assim, enquanto o primeiro canteiro trabalhava unicamente para ter, o segundo, apesar de ter um objectivo semelhante, assumia já uma atitude mais digna, atribuindo ao seu trabalho um sentido de serviço prestado aos familiares. Mas é o terceiro que coloca ênfase no Ser, ao considerar que estava a trabalhar com um objectivo superior: construir uma catedral.

José Flórido, in Reencontrar Agostinho da Silva, o poeta e o poema





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